Venha saber um pouco da trajetória das servidoras Isabel Motta e Carla Isabel dos Santos
Em 28 de outubro, é comemorado o dia do servidor público. Para muitos, o termo servidor público remete a uma imagem de salas lotadas de gente fazendo nada, mas essa ideia não passa de uma caricatura — e podemos provar. Para isso, vamos contar as histórias inspiradoras de duas servidoras públicas que vêm fazendo a diferença no Instituto Federal de São Paulo (IFSP): a assistente de alunos do Campus Votuporanga Isabel Motta, e a docente do Campus Itaquaquecetuba Carla Isabel dos Santos.
O dia 28 de outubro foi estabelecido oficialmente como uma data comemorativa pelo decreto-lei nº 5.936/39 do governo de Getúlio Vargas, em alusão a outro decreto-lei, que regulamentou pela primeira vez a profissão no Brasil.
Ah, então quer dizer que tudo funciona maravilhosamente no serviço público? Claro que não. As dificuldades são inúmeras, e vão desde a falta de servidores, passando pela morosidade de processos, baixos salários em algumas áreas e falta de incentivo até corrupção. Mas puxando pela memória, não é difícil achar exemplos de desempenho essencial de servidores públicos: imaginem só se não tivéssemos os servidores do SUS atuando na pandemia? Não seria exagero afirmar que foram eles que evitaram uma tragédia ainda maior.
E não estamos falando só de situações de calamidade e exceção. São os servidores públicos que estão por trás da educação, da saúde, da segurança, do meio ambiente e de muitas outras áreas tão importantes no dia a dia da maioria de nós brasileiros. No IFSP, por exemplo, são 4.923 pessoas, 2.999 docentes e 1.924 técnicos administrativos que fazem toda a engrenagem funcionar para que os alunos tenham acesso a uma educação gratuita e de qualidade.
Em homenagem àqueles que dedicam o seu ofício diário em prol da população, contaremos a seguir duas histórias incríveis. Não deixem de ler!
Uma fisioterapeuta que se apaixonou pela educação: conheça Isabel Motta
A história de Isabel Motta com o IFSP começa em 2013, ano em que assumiu o cargo de assistente de alunos na Coordenadoria de Apoio ao Ensino (CAE) do Campus Votuporanga, após ter sido aprovada em um concurso público do IFSP. Graduada em Fisioterapia, Isabel conta que “caiu de paraquedas na educação” e se apaixonou pela área. As atribuições de seu cargo, que envolvem atender servidores e alunos no que diz respeito a horários, salas etc., fizeram com que ela ficasse muito próxima de jovens estudantes.
Dessa proximidade surgiu a vontade de ir além. A servidora pública com estabilidade, jornada flexibilizada de 30h, salário garantido no início do mês, não se acomodou e encontrou no IFSP o “sócio ideal” para desenvolver um projeto social com o qual sempre havia sonhado e que ela garante ter transformado sua vida: foi então que nasceu o Clube de Robótica, projeto de Extensão idealizado e coordenado por Isabel desde 2013 em parceria com a organização não-governamental Lar Frei Arnaldo, entidade assistencial que atua na periferia de Votuporanga atendendo crianças em vulnerabilidade social.
Com vontade, um kit lego e os conhecimentos que seu filho e um amigo obtiveram nas aulas de robótica no Ensino Fundamental da escola onde estudavam, Isabel e sua equipe deram início ao projeto que até hoje já atendeu cerca de 400 crianças e jovens, entre 8 e 16 anos, de escolas públicas da cidade e região (atualmente o projeto atende 30 crianças e jovens selecionadas por meio de edital lançado no início deste ano), tendo conquistado diversos prêmios. Quanto à satisfação com os resultados, ela tem a resposta na ponta da língua: “sempre trabalhei muito mais que 50 horas semanais; é muito difícil alguém querer abrir mão de tempo e outras coisas, mas entendi o meu verdadeiro papel: hoje não sou a mesma pessoa de dez anos atrás, aprendi muito mais do que ensinei e recebi muito mais do que dei, já valeu a pena”.
Aos 46 anos, Isabel admite que não sabe ligar um EV3 nem entende de programação (para isso conta com bolsistas e voluntários no projeto), mas fala com a tranquilidade de quem tem certeza de que sabe direcionar, orientar, escrever projeto, viabilizar recursos com empresários locais e por meio de editais, como o edital do IFSP de apoio à participação estudantil em competições científicas e tecnológicas, que garantiu ao projeto um recurso de R$ 12 mil para este ano. “Quando resolvi fazer o concurso, eu já sabia que ele traria estabilidade, que eu poderia promover uma educação e saúde melhor aos meus filhos e poderia realizar o sonho de financiar minha casa; o que eu não sabia é o quanto ele transformaria a minha vida.”
De estudante a professora no IFSP: a história de Carla Isabel dos Santos
Lá em 2008, um panfleto jogado no quintal de casa apresentou o Campus Sertãozinho (ainda Cefet) à Carla Isabel dos Santos. O panfleto anunciava a chegada do campus à cidade e a abertura de vestibular para ingresso no mesmo ano. Carla não perdeu a oportunidade e ingressou na primeira turma do curso de Tecnologia em Fabricação Mecânica, e em 2009 foi contemplada com a primeira bolsa de Iniciação Científica do CNPq. Desde então ela nunca mais abandonou a carreira acadêmica, nem os laços com o IFSP, onde desde 2019 é professora concursada no Campus Itaquaquecetuba.
A bem-sucedida trajetória acadêmica de Carla, hoje com 39 anos, tem o combo completo. Ela se graduou em 2010, foi oradora da turma, emendou um mestrado com bolsa da Capes no programa de pós-graduação em Engenharia Mecânica da Escola de Engenharia de São Carlos (USP), onde se tornou especialista em ligas de alumínio aeronáuticas, mecânico da fratura, fadiga dos materiais e análises de falhas. Em 2013 ingressou no doutorado na mesma linha de pesquisa, só que agora como aluna no programa de Engenharia de Material. Nesse período já atuava como coorientadora de alunos de Iniciação Científica, atuava como monitora de turmas e lecionava numa faculdade particular em Ribeirão Preto. De 2015 a 2017, atuou como professora substituta no Campus Sertãozinho. Em 2018 defendeu a tese enquanto escrevia dois livros didáticos, um de Mecânica Geral e outro de Processos de Fabricação Mecânica.
Em 2019 Carla foi aprovada no concurso para professora do Campus Itaquaquecetuba. Ela conta que decidiu ser professora no IFSP porque ele muda vidas. “Mudou a minha, e agora amo fazer parte disso”, diz. Mas o despertar para a academia surgiu no dia em que foi aprovada na seleção de bolsista de Iniciação Científica. “Essa memória é muito viva em mim. Eu estava amando o curso, achava lindo o que todos aqueles docentes estavam fazendo por nós em um curso novo, com pouco recurso. Essa oportunidade mudou a minha vida, o IF mudou a minha vida, dos meus filhos e dos meus pais. Então eu quero fazer isso por muitas vidas.”
As conquistas vieram, mas não sem dificuldades. Ser mulher em uma área essencialmente masculina nunca foi das coisas mais fáceis. Carla enfrentou muitos desafios: durante a graduação sempre ficava encarregada dos relatórios, porque a parte prática como soldagem e usinagem deveria ficar com os homens. Na pós-graduação houve muita intromissão em sua pesquisa. “Sempre me perguntavam se eu estava entendendo o que estava fazendo, porque para a mulher é mais difícil enxergar coisas de mecânica”. Ao atuar como coordenadora de curso, enfrentou muita resistência, principalmente por parte de professores mais velhos, que costumavam ignorar suas ordens e orientações. “Alguns me tratavam como secretária, daí não tinha jeito, nesse caso precisava bater de frente.” Para ela, a maior dificuldade é a aceitação. “Eu preciso provar o tempo todo que sei o que estou dizendo ou fazendo.”
Duas trajetórias, muitos desafios
Tanto Isabel quanto Carla têm origem humilde, e ambas encontraram na educação e no serviço público uma forma de melhorar a condição de vida delas e de seus familiares. Também encontraram realização pessoal e profissional.
Isabel nasceu em uma família simples. Filha de mãe adolescente, não conheceu o pai biológico, mas conta que sempre recebeu muito afeto de toda a família. Embora tenha crescido em um ambiente em que as pessoas entendiam a importância da educação, ela acreditava que por conta das condições sociais não poderia fazer faculdade. “Mas aí veio o Prouni, o mundo do conhecimento se apresentou a mim, e eu fui identificando algumas habilidades”. Hoje ela trabalha para que “suas crianças” não precisem chegar à vida adulta para entender a importância da educação, da ciência e tecnologia, e saibam desde cedo o que podem alcançar por meio delas. “Eu tento ajudá-los a aproveitar as oportunidades para descobrirem suas habilidades, pois todos temos, em diferentes graus.”
Isabel conta que nesse espaço de tempo que vem desenvolvendo o projeto, teve um tumor maligno nas costas, fez cirurgia, e após dois anos o tumor voltou novamente, o que a levou a ter de fazer outra cirurgia, além de sessões de radioterapia e quimioterapia. E para quem pensa que em algum momento ela se afastou do Clube de Robótica, aí vai a resposta: “nesse período o projeto se tornou ainda mais importante, porque eu não queria passar por aqui sem nada ter feito pelo próximo”.
A vida de Carla também não foi fácil. Quando conheceu o IFSP, ela já era casada, mãe de dois filhos pequenos, morava de aluguel em uma casa de três cômodos e dependia da ajuda de familiares para dar comida aos filhos. “Sabia que precisava de uma oportunidade pra mudar tudo aquilo, e o IFSP me deu essa oportunidade”.
Com uma carreira estável, pôde cuidar da mãe doente, que faleceu em novembro de 2020, e comprar uma casa melhor para o pai morar. Quanto aos seus filhos, eles parecem estar seguindo os seus passos: um deles está cursando licenciatura em Química no Campus Sertãozinho, e a outra está terminado o ensino médio técnico. Inclusive, durante a nossa entrevista, Carla lembrou que há alguns dias seu filho disse que adorava ir com ela para IF e que o sonho dele era estudar lá. E assim mais um sonho vai sendo realizado.
Carla também enfrentou obstáculos no ambiente profissional. Além de ser mulher em uma área majoritariamente masculina, ela é uma mulher preta. “Durante a graduação, quando um dos colegas soube que eu queria ser professora, disse para outro colega que eu jamais seria, porque não tinha cara de professora.” São várias as histórias: “logo que cheguei em Itaquá, estava em uma integração com todos os docentes que tinham chegado naquele semestre, e quando contei minha trajetória acadêmica, um colega branco me interrompeu e perguntou se eu precisei fazer o ‘teste do sofá’ para conseguir meu doutorado. E tem a questão da provação, reconhecimento, fui sempre tratada por alguns como secretária do grupo”.
Apesar dos preconceitos enfrentados, Carla afirma que nunca houve dificuldade de acesso ou menos oportunidade dentro da instituição. “Foram situações pontuais; no geral o IFSP possui como princípio a isonomia”.
Duas trajetórias, muitas conquistas
Enquanto Isabel era entrevistada para esta matéria, ela recebeu a notícia que seu projeto ficou em 1º lugar na categoria “escolas públicas” do prêmio Seymour Papert Paulo Freire de Robótica Educacional. Agora a “dona” do clube de robótica já está “com roupa de ir” para o Maranhão receber essa premiação para a qual nem foi ela quem se inscreveu. “Amo essa colheita”, contou animadíssima.
E tem sido assim. Na First Lego League (FLL), o grupo foi premiado em todos os anos que participou. Nas Olimpíadas Brasileiras de Robótica, o clube já garantiu um bronze regional, um ouro regional e um ouro nacional, além de premiação como melhor escola pública estadual. Isabel conta que agora as equipes começaram a participar de torneios com desafio de lutas, sumo, seguidor de linha. “Esses dias teve um torneio aqui no campus, eles venceram tudo, e não temos robôs projetados ou programados por professores, são eles mesmo, aí dá mais orgulho”.
Além de contar com Isabel na coordenação, o clube sempre tem um monitor bolsista, e atualmente conta com o apoio de uma pessoa graduada em pedagogia paga com recursos de edital, e de um egresso do projeto, que também é egresso da física no IF, e que atua como voluntário. Nessa caminhada, Isabel conta que teve muito apoio das direções do campus, das suas chefias imediatas. “Foram pessoas incríveis, que me apoiaram demais, e se não fossem elas eu não teria conseguido.” Para ela, o projeto é um exemplo de que a educação é capaz de romper os muros da escola e envolver a comunidade. Para finalizar, faz questão de frisar que o projeto não atrapalha o desempenho dos alunos na escola, pelo contrário. “O desempenho deles melhora; apesar de ser cansativo, é algo que eles amam, descobrem habilidades, se tornam proativos, colaborativos e confiantes.”
Carla também não para. Em maio de 2020, concluiu o pós-doutorado, e em agosto do mesmo ano assumiu a coordenação dos cursos técnicos em Mecânica do Campus Itaquaquecetuba, de onde saiu em agosto deste ano direto para a coordenação de Extensão. Em paralelo a tudo isso, ela faz questão de continuar desenvolvendo projetos de Extensão e de Iniciação Científica, e atualmente está orientando a sua quinta aluna bolsista e conquistando prêmios. “Ano passado fomos medalhistas de ouro da categoria Engenharias da Feira Estadual de Ciência e Cultura do IFSP (FECCIF), e a partir disso fomos indicadas para a Febrace, em que chegamos nas semifinais.”
E tem mais. Carla leciona nos cursos técnicos em Mecânica e na graduação em Engenharia Elétrica. Além disso, está desenvolvendo um projeto institucional junto à Pró-Reitoria de Ensino, e ainda arruma tempo para ir atrás de empresários da cidade em busca de parcerias e vagas de estágio, isso antes mesmo de assumir a coordenadoria de Extensão. Em 2023, também organizou o primeiro Fórum de Educação, que aconteceu durante a Expo-Industria Itaquá.
Isso tudo porque o futuro está só começando. Que mulheres, que servidoras, meus amigos!