Conheciam-se, D. Ruth e ele, almas gêmeas que eram, feitas de florações e passaredos e da simplicidade de quem busca uma coisa só: o concerto para o corpo e para a alma. E foi sua vez de falar... E falou de escolas que prendem e libertam, falou do dom de educar, da beleza que é saber ouvir, de pássaros pousados em dedos e lagartas que aprendem a voar.
Aquilo era lindo! No puro-puro, honesto e sem gabolices. Ruth, Rubem e a nobreza do simples. Deus orgulhava-se (vaidoso que estava) pelo que criara.
E a prosa corria fininha, cada qual na reverenda sapiência de ao outro escutar. Quando avisa, bonachona, conhecida voz de tenor:
- Ô de casa, tô chegando!
- Se achegue, João Ubaldo! Venha que a prosa é boa. Todo o céu é louvação, pela graça de quem das letras fez sagração. Fale-me, também das gentes, do seu povo brasileiro.
João ri seu riso rouco, coça o dorso da cabeça e prepara a narração. Entrementes ouve-se, ao longe, som de pífaros armoriais e o arrastar das sandálias do agreste venerando. E João, com ditosa ironia, cita o recém chegado: "Cumpriu sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre".
A Virgem, compadecida, antecipa-se na recepção:
- Ariano, filho amado, que a mim tem devoção, chegue em paz, sinta-se em casa, a mãe lhe estende a mão.
- "Valha-me Nossa Senhora, Mãe de Deus de Nazaré!", meus amigos deem licença à minha profissão de fé.
Burburinho na assembleia com um quê de indignação: Ruth, Rubem, João Ubaldo e Ariano, tudo junto e ao mesmo tempo, o Eterno errou a mão? E as boas letras, como ficam, há peça de reposição?
D. Ruth resignada, consolando a si e aos outros, dizia que "Deus sabe o que faz e a gente não sabe o que diz (...) Se aconteceu, é porque era bom que acontecesse.". Rubem concordou, justificando que "a morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A reverência pela vida exige sabedoria para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir". João Ubaldo filosofou que "muito daquilo que os desavisados chamam de sobrenatural é, na verdade, outra das incontáveis faces do natural, não percebida pelos sentidos rudes ou mirrados da grande maioria.". E Ariano, sobre o acerto (ou o erro) do Senhor ao reunir tal quarteto, no mesmo tempo e lugar, a discussão encerrou:
- De tudo posto, certo ou errado, "não sei. Só sei que foi assim!".
E o céu pareceu mais bonito.
(Todas as citações em itálico são de autoria de Ruth Guimarães, Rubem Alves, João Ubaldo Ribeiro e Ariano Suassuna)