Tenho uma tendência romântica a imaginar coisas.
As horas se juntam, fazem os dias, fazem os anos, tudo vai passando, e os anjos não existem mais, nem no céu, nem na terra.
Tanto que tenho falado, tanto que tenho escrito - como não imaginar que sem querer feri alguém? Ás vezes sinto, numa pessoa que acabo de conhecer, uma hostilidade surda ou uma reticência de mágoas. Imprudente oficio é este, de viver em voz alta.
Os jornais noticiam tudo, menos uma coisa tão banal que ninguém se lembra: a vida.
Mas há também, e não vale a pena esconder nem esquecer isso, aqueles momentos de solidão e de morno desespero; aquela surda saudade que não é de terra nem de gente, e é de tudo, é de um ar em que se fica mais distraído, é de um cheiro antigo de chuva na terra da infância, é de qualquer coisa esquecida e humilde — torresmo, moleque passando na bicicleta assobiando samba, goiabeira, conversa mole, peteca, qualquer bobagem.